junho 15, 2023
A experiência do Curso de Manipulação de Dados Urbanísticos junto aos moradores da ZEIS Pici
Um eixo de pesquisa abrangido pelas atividades do PET é o do estudo dos dados urbanísticos e da sua relação com o planejamento urbano. Confira aqui outros resultados desta linha de pesquisa do grupo. Mas o que é um dado? O dado é um registro de um atributo de determinado objeto da realidade. Por meio da criação de conjuntos de dados, podemos compreender e analisar melhor determinadas informações. Contudo, é importante ter em vista que o dado é apenas um modelo da realidade e que, apesar de seu caráter factual, está sujeito aos interesses de seus agentes produtores (Januzzi, 2001).
Em Fortaleza, observa-se uma desigualdade na disponibilização de dados capazes de representar a morfologia urbana, havendo espaços “vazios” nos bancos de dados institucionais. Esse processo de exclusão por meio da informação ficou evidente durante o trabalho de elaboração dos Planos das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) prioritárias. No caso da Zeis Pici, por exemplo, foi observado o grande vazio de desenho dos lotes dentro da ZEIS.
Assim, tendo em vista o difícil acesso da população em geral aos dados que refletem a cidade existente, e considerando os avanços recentes nos métodos de produção e disseminação de dados geográficos, faz-se necessário democratizar as técnicas de manipulação de dados urbanísticos. A esse processo denominamos “produção de dados insurgentes”, uma iniciativa que parte de baixo para cima, produzida pela própria população, com sua agenda e demandas.
A partir dessa perspectiva de visibilização de territórios vulnerabilizados por meio da produção de dados e também da capacitação da população para essa tarefa, que o PET, juntamente com o projeto de extensão “Dados Urbanísticos: Subsídios para o Planejamento das ZEIS em Fortaleza”, produziu e realizou o Curso de QGis e Dados Urbanos na ZEIS Pici, durante o mês de outubro de 2022 (04/10/22 a 27/10/22), das 18h às 20h, às terças e quintas, no Cuca Pici, em parceria com a Rede Cuca. Para a inscrição, preparamos um formulário online. Partindo de 28 inscrições, tivemos, ao longo das aulas, a participação de 16 alunos com idades entre 19 a 58 anos. O curso teve carga horária de 16h e foi enviado, no final, um certificado a todos os participantes.
Para o ensino do curso e posterior revisão dos conteúdos passados, elaboramos uma apostila com todos os assuntos apresentados, que pode ser acessada aqui. O conteúdo foi dividido em 04 oficinas de uma semana para cada, ao longo das quais foram apresentados tópicos teóricos e práticos. Desse modo, discutimos: (1) a importância dos dados e do seu potencial de aplicabilidade em contextos de reivindicação de demandas e da garantia de direitos no espaço urbano, ocasião em que apresentamos outras iniciativas de produção de dados “community-based”, isto é, dados produzidos pela própria comunidade inserida no local; (2) introdução de conceitos gerais de geoprocessamento; (3) apresentação de duas ferramentas para a produção de mapas: O QGis e o My Maps; (4) uma atividade prática.
Na última oficina, a turma foi dividida em equipes para elaborar um mapa temático dentro do recorte da ZEIS Pici, apontando dados produzidos e/ou coletados pelos participantes. Ao todo, foram produzidos 4 mapas definidos a partir do interesse dos componentes do grupo: (1) mapa de pontos turísticos do Pici, com o objetivo de visibilizar os atrativos e pontos de interesse do local; (2) mapa de pontos de lixo, que apontava locais com acúmulo de lixo em espaço aberto relacionando-os com a existência de equipamentos de coleta; (3) mapa de não-violência, que considerava um raio de influência ao redor de espaços de atividades artísticas e culturais; (4) mapa de vias danificadas, que indicava vias com problemáticas na pavimentação, observadas pelos moradores.
Mapa de Vias Danificadas - ZEIS Pici
Elaborado pelos moradores Cícera Martins, Jackeline França e Francisco Fernando.
Ao final do curso, aplicamos um questionário de avaliação da experiência com os participantes. Em relação às expectativas quanto ao curso, havia diferentes respostas: alguns, em geral os mais jovens, visavam ao aprendizado de uma ferramenta que poderia beneficiá-los na carreira, enquanto outros visualizavam a ferramenta como um meio de mapear o território e contribuir com a luta pela ZEIS. Os participantes relataram, ainda, a dificuldade de aprender as ferramentas, tendo em vista o curto período do curso e a necessidade de utilização regular dos programas para aquisição de familiaridade. A respeito do modo como pretendem usar o que aprenderam, todos identificaram o potencial enquanto instrumento na busca por melhorias do espaço em que vivem, como nesse relato:
“Com o conhecimento adquirido é possível pensar em propostas educativas dentro das comunidades utilizando o app, pode-se também esquematizar informações pertinentes para dialogar com as entidades públicas sobre as necessidades das comunidades.”
Acreditamos em um planejamento da cidade mais participativo e igualitário e, para isso, a democratização dos dados urbanísticos é essencial, pois conforme já dizia Carlos Vainer (2005), não há participação sem informação. Além disso, o curso promove o papel extensionista da Universidade, ao propagar o conhecimento produzido dentro da academia para a sociedade, trazendo contribuições práticas.
Morador da Zeis Pici utilizando o software Qgis |