janeiro 12, 2015
Entrevista do jornal Diário do Nordeste com a Profa. Clarissa Freitas sobre o Plano Diretor de Fortaleza
Fortaleza e seus contrastes - fotos de Fabiane de Paula |
1
- Em uma cidade em constante crescimento, quais os prejuízos já presentes pela
falta da regulamentação do Plano Diretor?
O plano foi aprovado em 2009, porém
logo em seguida, em 2012, foram aprovadas algumas leis na Câmara Municipal que
voltam a utilizar as normas de uso e ocupação do solo vigentes no sistema de
planejamento anterior ao plano. Naquela época, já havia uma pressão da
comunidade acadêmica e dos movimentos sociais para que isso não acontecesse,
solicitando que a prefeitura, ainda na gestão anterior, priorizasse a
regulamentação do atual plano. Entretanto, não foi isso que ocorreu. Assim,
como essas leis de certa forma prorrogam a validade da lei de uso e ocupação do
solo de 1996 e da lei de sistema viário de 1992, pode-se afirmar que hoje em
2015 ainda estamos seguindo normas definidas no início da década de 1990 quando
Fortaleza era outra. Para se ter uma ideia, o Bairro Siqueira, na região do
grande Bom Jardim, cresceu mais de 7 vezes de 1991 a 2010, apresentando um
incremento populacional de quase 30 mil habitantes, e continua a crescer com a
implantação de conjuntos habitacionais verticalizados. A despeito desta clara
tendência expansão populacional da periferia desprovida e serviços urbanos, não
existe nada previsto de expansão do sistema viário naquela direção pela lei de
sistema viário vigente. Os investimentos públicos feitos lá, como os conjuntos
habitacionais e via paisagística margeando o Rio Maranguapinho, estão, dessa
forma, desconectados do sistema de planejamento da cidade. Há portanto na
região uma enorme carência de transporte público, e um dos grandes fatores é a
ausência de vias que suportam a passagem de ônibus. Isso se repete em outros
serviços urbanos, como os sistemas de esgoto e drenagem, espaços livres de
lazer e até mesmo os equipamentos sociais.
2 - Quais áreas e setores de Fortaleza sofrem mais com essa carência e por quê?
2 - Quais áreas e setores de Fortaleza sofrem mais com essa carência e por quê?
Claramente quem mais sofre com este
processo de desmonte do plano de 2009 são os bairros que apresentam um grande
nível de irregularidade urbana, com áreas de risco e loteamentos irregulares.
Atendendo a diretrizes da política urbana federal, o plano diretor de 2009 foi
muito enfático no sentido de priorizar ações de regularização fundiária,
recomendando a priorização de investimentos urbanos nas áreas mais carentes.
Além disso o plano de 2009 também tentou prevenir o problema de ampliação dos
assentamentos irregulares, definindo áreas para atender a maior demanda
habitacional que possuímos, aquela de 0 a 3 salários mínimos. Tais mecanismos
preventivos, que a política urbana federal chama de indução do desenvolvimento
urbano includente, são por exemplo o IPTU progressivo em terras dotadas de
serviços urbanas, e as ZEIS tipo 3, conhecidas como ZEIS de vazio. Ocorre que
esta priorização do plano ficou no papel e continua apenas no papel. Nada foi
feito para implementar esses poderosos instrumentos. O resultado disso é um continuado
processo de ocupação de terrenos ociosos ou de áreas inadequadas para ocupação
como leitos viários e áreas ambientalmente frágeis. A cidade inteira perde com
isso. Os conjuntos habitacionais do Minha Casa Minha Vida e do PAC, não estão
atendendo a demanda de moradia de baixa renda. Estão atendendo prioritariamente
população que morava em áreas requisitadas pelas obras públicas, como aquelas
da Copa do Mundo. Ou seja o critério de acesso a um projeto de pretende reduzir
o déficit habitacional é estar no meio do caminho de uma obra pública. E essas
famílias atingidas não necessariamente constituem o público-alvo prioritário
das políticas habitacionais, pois muitas vezes possuem boas condições de
habitabilidade, portanto não fazem parte do déficit habitacional quantitativo.
3 - Se o Plano Diretor já funcionasse, na prática, que mazelas da cidade veríamos melhorias claras?
3 - Se o Plano Diretor já funcionasse, na prática, que mazelas da cidade veríamos melhorias claras?
Imagino que os conflitos fundiários
seriam reduzidos e a prefeitura teria melhores condições de implementar as
obras de mobilidade, por exemplo, pois ela disporia de terra urbanizada a um
preço mais acessível para alocar a população transferida. Os mecanismos
mencionados anteriormente, previstos no plano, viabilizariam projetos de
reassentamento com melhores condições de inserção urbana do que aquela que se
concretizou. Além de atender a questão do direito à cidade da população
atingida, o plano também viabilizaria as obras públicas com mais rapidez. Quem
sabe dessa forma não teríamos, por exemplo, o VLT já concluído?
O movimento que a gestão atual está
fazendo no sentido de regulamentar o plano não aborda a questão prioritária
definida pelo Plano de 2009, mas atende aos interesses do mercado imobiliário
que atua apenas na porção da cidade que apresenta loteamentos urbanos regularizados.
O projeto de lei de regularização das edificações, um dos três projetos que
estão para serem votados na Câmara Municipal, atua sobre edifícios não
aprovados, ou em desconformidade com a legislação. Entretanto ele passa longe
da real questão urbana, que é aquela do loteamento irregular, do assentamento
em áreas inadequadas. Esse passivo urbanístico continua crescendo, sem que nada
seja feito para deter seu crescimento. É como se nem o gelo tivesse sendo
enxugado!
4 - Na sua avaliação, o que burocratiza tanto e impede o PDPFor de entrar em vigor? Considera a existência de falhas de planejamento ou falta de vontade política?
Não acho que a burocratização seja a
questão principal. Acho que os atores interessados na implementação do Plano
Diretor de 2009, os setores sociais da periferia urbana, não possuem seus
interesses representados na composição do atual governo municipal, não possuindo
portanto influência política no processo decisório. Os investimentos urbanos
básicos nos bairros periféricos (e nos assentamentos de baixa renda em bairros
centrais) continuam sendo pouco priorizados, e quando acontecem são colocados
como um favor, numa relação de clientelismo político e não como um direito
social garantido constitucionalmente.
Além, disso o reduzidíssimo corpo
técnico da prefeitura na área de planejamento urbano está alocado em tarefas
que não se relacionam com o cumprimento das diretrizes do plano diretor de
2009. É urgente a contratação de um corpo técnico qualificado e que faça parte
do quadro permanente do poder municipal, para ter melhores condições de
viabilizar políticas de planejamento sérias, que ultrapassem o tempo de uma
gestão administrativa de 4 anos. O novo plano diretor, chamado Fortaleza 2040,
está sendo elaborado novamente por uma equipe de profissionais contratados e
terceirizados. O que reduz as chances deles ser efetivamente implementado,
portanto, repetindo a história que estamos testemunhando com o plano diretor de
2009.
5 - Como considera a participação popular nesse processo? Há falta de interesse da população em questionar e cobrar mais por uma cidade mais ordenada?
5 - Como considera a participação popular nesse processo? Há falta de interesse da população em questionar e cobrar mais por uma cidade mais ordenada?
Sim, há falta de participação
popular. E, a meu ver, essa ausência não se dá por uma questão de interesse da
população em participar. Mas pelo fechamento de canais de participação
efetivos, ou seja, que possuam efetiva capacidade de influenciar as políticas públicas.
Veja o episódio do Conselho das Cidades proposto pela atual gestão em 2014, por
exemplo. A atual gestão priorizou a montagem de um conselho cuja composição passa
muito longe de representar toda a diversidade de atores sociais afetados pelas políticas
urbanas. Fica sempre a promessa que conselhos mais representativos seriam
montados depois. A meu ver, as políticas efetivamente prioritárias, são sempre
deixadas para depois.
Repórter Renato Bezerra