julho 14, 2011

Resenha: "Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS e grandes empreendimentos: resistência de territórios populares e elementos para inclusão sócio-territorial no litoral potiguar"

por Daniel Benevides

Resenha do texto: BENTES, D.; TRINDADE M.A.F. “Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS e grandes empreendimentos: resistência de territórios populares e elementos para inclusão sócio-territorial no litoral potiguar”. In Revista da FARN, Natal. V.7, no 2 p. 143-159. Jul/dez 2008. Disponível em: http://www.revistafarn.inf.br/revistafarn/index.php/revistafarn/article/view/154/183


CONTEXTUALIZAÇÃO
O texto discutido intenciona apresentar as conquistas efetivadas pelas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), no reconhecimento do direito à permanência de territórios populares em uma região de intensa pressão imobiliária, na cidade do Natal/RN. Destacam-se os elementos contribuintes para a sua efetividade, tendo em vista os objetivos de inclusão sócio-territorial. É apresentado o exemplo da comunidade de Mãe Luiza, na luta pela defesa da Área Especial de Interesse Social (Lei N. 4663/95).

HISTÓRICO
A partir de 1994, as políticas habitacionais do município de Natal apresentaram um grande avanço, através da adoção do instrumento de Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS). Esse instrumento permite que o Poder Público dê tratamento diferenciado a uma área que apresente precariedades habitacionais e urbanísticas. A AEIS é aprovada por lei municipal e autoriza a Prefeitura a dar gabaritos e dimensões de lotes diferentes dos permitidos pela legislação que define as ocupações regulares, possibilitando a legalização das edificações irregulares e incorporando-as à “cidade formal”. Além disso, por serem áreas assistidas pelo Poder Público, elas devem ser urbanizadas, recebendo infraestrutura e atendimento de serviços públicos. O município de Natal foi pioneiro na aplicação de tal instrumento, no bairro de Mãe Luiza, em 1994, antes mesmo da criação dos Planos Diretores Participativos.
Estudos posteriores, para a formulação da Política de Habitação de Interesse Social para o Município de Natal (PHIS), FUNPEC/UFRN (2005), mostraram fragilidades no conceito de AEIS vigente, por não incluir uma grande parcela da população necessitada de assistência. Adotou-se, então, uma metodologia para a redefinição das AEIS, visando à construção da PHIS de Natal, que priorizasse as dimensões social e urbanística das populações e assentamentos, associando tais dimensões ao processo de identificação das áreas de pobreza predominantes da cidade e com maiores limites para as AEIS.
           
MORADIAS E GRANDES EMPREENDIMENTOS
O processo de urbanização do litoral brasileiro vem sendo impulsionado e voltado para o turismo, principalmente no Nordeste. O Rio Grande do Norte também está inserido nessa dinâmica, tomando como referência a implantação da Via Costeira, que consolidou a faixa litorânea como área privilegiada de expansão do capital turístico imobiliário. Esse tipo de urbanização gera uma série de tensões sociais, políticas e ambientais.

ÁREA ESPECIAL DE INTERESSE SOCIAL E INCLUSÃO SÓCIO-ESPACIAL: experiência da ZEIS Mãe Luiza

Limites da Área Especial de Interesse Social - AEIS - Mãe Luiza e seu zoneamento

Na região litorânea de Natal foi marcante a pressão do mercado turístico imobiliário, principalmente na tentativa de desconstrução das ZEIS já instituídas e no veto de instituição de novas. Por outro lado, lideranças e moradores de Zonas já existentes se mobilizaram na luta pela permanência de territórios populares historicamente consolidados, no que viria a ser o eixo turístico da cidade, a exemplo dos bairros de Mãe Luiza e de Vila de Ponta Negra.
Como exemplo de luta pelo direito à propriedade, as autoras focam no bairro de Mãe Luiza, assentado em uma parte do cordão dunar, inserido no Parque Estadual das Dunas do Natal. Esse bairro foi constituído pelos imigrantes fugidos das secas, a partir da década de 1940. Desde então, a população e as demandas por melhoria foram aumentando. Ao longo das décadas, o poder público investiu pontualmente em obras de infraestrutura, como energia elétrica, distribuição de água deficiente, drenagem, calçamento, construção de escadarias. Com a construção da Via Costeira, o solo se valoriza, atraindo a rede hoteleira e o capital imobiliário turístico, ocasionando a “expulsão branca”.
Nesse momento, ameaçados de também serem expulsos, os grupos organizados da comunidade de Mãe Luiza procuram assessoria técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), através do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, em vistas de reverter o processo especulativo que ora se intensificava. Desenvolveu-se, então, uma metodologia de capacitação técnica da comunidade, e formulou-se “Lei de uso e ocupação do solo do bairro de Mãe Luiza” (Lei. n. 4.663/2005). Tal lei regulamenta uma série de restrições, como altura de gabarito máximo de 7,5 metros, tamanho máximo de lote de 200 m², além de definir usos específicos para o interesse social: residencial, misto, não-residencial, institucional e de conservação. Todas essas definições, expostas na lei, intencionam a inibição da especulação imobiliária, ao limitar o tipo e o porte das construções que podem ser implantadas ali, não mais interessando aos especuladores, já que, com essas medidas, a área perde bastante do seu potencial econômico. Consequentemente, os moradores têm assegurado seu direito à propriedade, historicamente consolidado, já que não serão pressionados a saírem de suas moradias, através de ofertas de compra, por parte do mercado imobiliário. 
Interesses contrários tentaram reverter essas conquistas, ao tentar alterar a Lei de uso e ocupação do solo do bairro de Mãe Luiza. Diante disso, novamente houve mobilização da comunidade, que ampliou os grupos de cooperação para além da UFRN, recorrendo a grupos e a acordos internacionais, ligados aos Direitos Humanos, incluindo o ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Perez Esquivel. Tal movimento obteve êxito ao manter a comunidade no local onde são residentes há bastante tempo.
Finalmente, as autoras identificam como principais fatores para esse êxito: participação e controle social; assessoria técnica continuada; rede de proteção social local, nacional e internacional; aplicação das ZEIS. Tais fatores não têm ordem de importância e não podem existir isoladamente, pois que são complementares na luta desigual das comunidades frente aos interesses políticos e econômicos da especulação imobiliária.

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